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domingo, 7 de fevereiro de 2021

Primeiro automóvel do Rio de Janeiro


 


Revista Automóvel Club de Fevereiro de 1930

 O primeiro automóvel que trafegou no Rio

Eis aí um assunto que despertou curiosidade. Era, na verdade, interessante conhecer hoje o primeiro automóvel que trafegou em nossa capital. Como seria ele? Bonito? Feio? Quando apareceu no Rio o primeiro automóvel? Esta série de perguntas proporcionou a O Globo o ensejo de publicar a interessantíssima fotografia, cuja reprodução inserimos nesta página, ainda por obséquio do brilhante vespertino. E como a nota, que a acompanhou, não pode ser resumida, para aqui a transcrevemos, “data vênia”.

Assim contou O Globo a história do primeiro automóvel para a metrópole brasileira o advento da nossa vitoriosa era automobilística:

 “O primeiro automóvel que trafegou no Rio! Não, ele não foi o do Sr. Guerra Duval, marca Decauville, nem o capitão Cardêa. O primeiro automóvel que a nossa cidade viu foi o do Sr. Álvaro Fernandes da Costa Braga, que o trouxe para o Rio três ou quatro anos antes de 1900, época em que teria transitado o do Sr. Guerra Duval, nome tão conhecido das nossas rodas da sociedade e da arte, onde luz como artista fotográfico de criações próprias. E como se poderá apurar esse fato? De modo muito fácil: basta que se olhe a nossa fotografia e se ouça o Dr. Antônio Pereira Braga, filho do saudoso proprietário do carro que estampamos, e advogado muito conhecido no nosso foro, e havendo por mais de uma vez ocupado postos de relevo no Instituto da Ordem. O Dr. Pereira Braga, que nos ofereceu a fotografia da gravura que aí está, disse-nos com precisão:

_ Se o Decauville do Dr. Guerra Duval chegou ao Rio em 1900 e se o do capitão Cardêa chegou em 1901, então o primeiro automóvel que se viu nesta cidade deve ter sido este reproduzido na fotografia, pois trafegou aqui em 1896 ou 1897. Foi trazido por meu pai Álvaro Fernandes da Costa Braga, espírito altamente progressista e empreendedor, para anunciar e transportar os produtos da fábrica de chocolate e café Moinho de Ouro, por ele fundada nessa época. Aliás, eu nunca vira outro antes. Não me recordo da marca do carro, mas tenho perfeita lembrança do interesse, da curiosidade  e do pasmo que a sua passagem sempre despertava no povo.  Recordo-me também perfeitamente do medo, pânico de que se possuíam os muares e cavalos dos veículos desse tempo, quando o viam passar bracejando no ar as velas do seu moinho dourado e fazendo um barulho infernal, pois só muito tarde, depois de aberta a Avenida, começaram a aparecer os primeiros carros silenciosos.

A “carrosserie” era de passageiros, mas foi adaptada aqui no fim de “reclame” a que especialmente se destinava. Era muitíssimo incomodo viajar nele, não só porque as ruas eram pessimamente calçadas e não tinham conservação, mas também porque tinha molas duras e mal calculadas; o motor primitivo, ruidoso e violento, punha o carro em uma permanente dança de S. Guido, que sacolejava todas as vísceras dentro do corpo, e as rodas de borracha maciça não diminuíam nada o tormento.

Sem poder indicar com exatidão ao Globo a data em que esse automóvel chegou ao Rio, posso, entretanto, afirmar que indubitavelmente foi três ou quatro anos antes de vir o do Dr. Guerra Duval, em 1900. Neste mesmo ano deixei eu o comércio, onde labutei um longo lustro, e tenho anotada a data certa de 20 de agosto no primeiro livro que adquiri para começar os estudos de preparatórios. No ano seguinte (1901) faleceu meu pai, tendo dirigido o Moinho de Ouro durante cerca de dois anos, até incendiar-se, tendo depois montado uma camisaria, de que se desligou um ano depois, uma fábrica de roupas brancas, em que também não ficou, e montava um estabelecimento de modas, depois de tentar negócios em S. Paulo e comissões e consignações aqui.

Tudo isto não se desdobrou em menos de quatro anos e, portanto, o seu automóvel, vindo para o Moinho de Ouro, forçosamente trafegou em 1897 pelo menos, ou mais provavelmente em 1896.

Uma vez que o assunto tem despertado interesse, aí fica o meu depoimento, que o amigo poderá divulgar com esta palestra - concluiu o Sr. Antônio Pereira Braga.”