Eis aí um assunto que despertou curiosidade. Era, na
verdade, interessante conhecer hoje o primeiro automóvel que trafegou em nossa
capital. Como seria ele? Bonito? Feio? Quando apareceu no Rio o primeiro
automóvel? Esta série de perguntas proporcionou a O Globo o ensejo de publicar
a interessantíssima fotografia, cuja reprodução inserimos nesta página, ainda
por obséquio do brilhante vespertino. E como a nota, que a acompanhou, não pode
ser resumida, para aqui a transcrevemos, “data vênia”.
Assim contou O Globo a história do primeiro automóvel para a
metrópole brasileira o advento da nossa vitoriosa era automobilística:
“O primeiro automóvel
que trafegou no Rio! Não, ele não foi o do Sr. Guerra Duval, marca Decauville, nem
o capitão Cardêa. O primeiro automóvel que a nossa cidade viu foi o do Sr.
Álvaro Fernandes da Costa Braga, que o trouxe para o Rio três ou quatro anos
antes de 1900, época em que teria transitado o do Sr. Guerra Duval, nome tão
conhecido das nossas rodas da sociedade e da arte, onde luz como artista
fotográfico de criações próprias. E como se poderá apurar esse fato? De modo
muito fácil: basta que se olhe a nossa fotografia e se ouça o Dr. Antônio
Pereira Braga, filho do saudoso proprietário do carro que estampamos, e
advogado muito conhecido no nosso foro, e havendo por mais de uma vez ocupado
postos de relevo no Instituto da Ordem. O Dr. Pereira Braga, que nos ofereceu a
fotografia da gravura que aí está, disse-nos com precisão:
_ Se o Decauville do Dr. Guerra Duval chegou ao Rio em 1900
e se o do capitão Cardêa chegou em 1901, então o primeiro automóvel que se viu
nesta cidade deve ter sido este reproduzido na fotografia, pois trafegou aqui
em 1896 ou 1897. Foi trazido por meu pai Álvaro Fernandes da Costa Braga,
espírito altamente progressista e empreendedor, para anunciar e transportar os
produtos da fábrica de chocolate e café Moinho de Ouro, por ele fundada nessa
época. Aliás, eu nunca vira outro antes. Não me recordo da marca do carro, mas
tenho perfeita lembrança do interesse, da curiosidade e do pasmo que a sua passagem sempre
despertava no povo. Recordo-me também
perfeitamente do medo, pânico de que se possuíam os muares e cavalos dos
veículos desse tempo, quando o viam passar bracejando no ar as velas do seu
moinho dourado e fazendo um barulho infernal, pois só muito tarde, depois de
aberta a Avenida, começaram a aparecer os primeiros carros silenciosos.
A “carrosserie” era de passageiros, mas foi adaptada aqui no
fim de “reclame” a que especialmente se destinava. Era muitíssimo incomodo
viajar nele, não só porque as ruas eram pessimamente calçadas e não tinham
conservação, mas também porque tinha molas duras e mal calculadas; o motor
primitivo, ruidoso e violento, punha o carro em uma permanente dança de S.
Guido, que sacolejava todas as vísceras dentro do corpo, e as rodas de borracha
maciça não diminuíam nada o tormento.
Sem poder indicar com exatidão ao Globo a data em que esse
automóvel chegou ao Rio, posso, entretanto, afirmar que indubitavelmente foi
três ou quatro anos antes de vir o do Dr. Guerra Duval, em 1900. Neste mesmo ano
deixei eu o comércio, onde labutei um longo lustro, e tenho anotada a data
certa de 20 de agosto no primeiro livro que adquiri para começar os estudos de
preparatórios. No ano seguinte (1901) faleceu meu pai, tendo dirigido o Moinho
de Ouro durante cerca de dois anos, até incendiar-se, tendo depois montado uma
camisaria, de que se desligou um ano depois, uma fábrica de roupas brancas, em
que também não ficou, e montava um estabelecimento de modas, depois de tentar
negócios em S. Paulo e comissões e consignações aqui.
Tudo isto não se desdobrou em menos de quatro anos e,
portanto, o seu automóvel, vindo para o Moinho de Ouro, forçosamente trafegou
em 1897 pelo menos, ou mais provavelmente em 1896.
Uma vez que o assunto tem despertado interesse, aí fica o meu
depoimento, que o amigo poderá divulgar com esta palestra - concluiu o Sr.
Antônio Pereira Braga.”
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